O fim-de-semana de Páscoa foi o mote: as raízes familiares levaram-nos até ao concelho do Sabugal, e daí aproveitámos para conhecer três Aldeias Históricas nos arredores: Belmonte, Almeida e Castelo Rodrigo – pelas quais nos apaixonámos irremediavelmente, cada uma à sua maneira.
Nos meus tempos de infância, durante a viagem para a aldeia dos meus pais, havia um momento muito especial, pelo qual eu e a minha irmã esperávamos ansiosamente: a chegada à ponte de Caria, pouco antes do Sabugal, altura em que a minha mãe dizia sempre, mas sempre, “esta é uma ponte romana” – e eu e a minha irmã aproveitávamos para dizê-lo também em uníssono, brincando com o momento. O meu pai ria-se, a minha mãe também, e seguíamos caminho. Por essa doce lembrança, foi muito curioso descobrir que o caminho para Belmonte parte precisamente do semáforo antes dessa ponte, recordando-me desses momentos em família. A viagem não podia ter começado melhor.
Seguimos por entre campos verdejantes e outras pequenas e encantadoras localidades, chegando à Aldeia Histórica de Belmonte pela hora de almoço – na realidade, já algum tempo tinha passado da “convencional” hora de almoçar, por isso foi muito timidamente que ligámos ao restaurante “Fio de Azeite”, localizado no Largo do Pelourinho e ao pé dos Paços do Concelho, para saber se ainda aceitavam uma reserva de 2 pessoas para “petiscar um pouco”. Pensámos que já seria tarde para algo mais que umas tapas, mas a Maria João e o Manuel receberam-nos com um sorriso largo de quem nunca diz que não a dois rostos esfomeados: depois de uma entrada de ovos com farinheira, serviram-nos deliciosos pratos de bacalhau e polvo, lembrando que ali “a cozinha abre ao meio-dia e só fecha à meia-noite”. No fim, ainda nos tentaram com uma das especialidades da casa, a requeijada com mel, e não resistimos – ainda bem, foi a cereja em cima do bolo de um almoço inesquecível.
Felizes, e reconfortados por dentro e por fora, partimos à descoberta da terra que viu nascer o conquistador do Brasil – como aliás demonstram as alegres ruas da Aldeia Histórica, decoradas naquela altura com bandeiras portuguesas e brasileiras. Começámos então por apreciar a escultura de Pedro Álvares Cabral, de Álvaro de Brée, que remonta ao ano de 1961. Graças à chegada da primavera, a estátua está agora rodeada de vibrantes camélias vermelhas, oferecendo assim ao lugar um novo encanto.
Continuámos a descobrir os recantos de Belmonte, passando pela Casa da Judiaria (onde contemplámos o candelabro de nove braços que é usado na celebração da Hannukak ou Festa das Luzes – e desejámos poder regressar em dezembro, para apreciar o que deverá ser um momento inesquecível) e por um graffitti de Zeca Afonso que nos lembrou que, afinal, a voz do 25 de abril tinha raízes em Belmonte (mais uma figura de relevo da nossa História, para juntar aos motivos de orgulho desta Aldeia Histórica).
Pelas ruas de Belmonte, chegámos ao Castelo, uma imponente e altiva estrutura que parece ainda estar atenta, lá do alto, a eventuais ameaças inimigas. Entrámos e deixámo-nos encantar pela propriedade, outrora doada pelo Rei D. Afonso V (1438-1481) a Fernão Cabral, pai de Pedro Álvares Cabral. Sem dúvida que o que mais nos encantou foi a famosa janela manuelina, um dos pormenores mais belos do Castelo.
Seguimos à aventura pelos recantos da Aldeia, encantados pelas suas pequenas e cuidadas casinhas, rodeadas de vasos de flores e plantas variadas, até à Sinagoga Bet Eliahu, que infelizmente estava fechada. A visita terá de ficar para uma próxima oportunidade.
Quase de partida, não podíamos deixar Belmonte sem visitar a enigmática Torre de Centum Cellas, no Colmeal da Torre. Àquela hora, estava quase na altura do pôr-do-sol, pelo que o timing não podia ter sido melhor. Apreciámos a magnífica torre enquanto o sol se ia despedindo daquele dia e escondendo-se por entre as ruínas de Centum Cellas. Um momento indescritível.
No dia seguinte, foi tempo de partir até Almeida, para conhecer a Aldeia Histórica que é conhecida como “a Estrela da Beira Interior”, já que os seus 2500 metros de muralhas formam uma estrela de doze pontas. À chegada, fomos brindámos com que o que nos pareceu ser um “render da guarda”, à entrada da Aldeia Histórica, nas Portas Duplas de São Francisco da Cruz – um instante que nos levou de imediato numa viagem ao tempo de épicas batalhas e valorosos reis e cavaleiros.
Descobrimos depois as Portas Duplas de Santo António, a Porta Interior, ou Magistral de Almeida e vagueámos por Almeida, até ao Picadeiro D’El Rey, onde perdemos algum tempo cumprimentando os seus simpáticos cavalos.
Almoçámos no restaurante “O Caçador”, onde percebemos com alegria que são servidas generosas e reconfortantes refeições caseiras, como bacalhau gratinado, por exemplo. Era mesmo o que precisávamos, para recuperar energias antes da próxima Aldeia Histórica do nosso roteiro.
Chegámos à Aldeia Histórica de Castelo Rodrigo mesmo a tempo de uma das sessões dos “Encontros com História – visitas guiadas” que se realizam por esta altura, ao sábado – bem a propósito. Aproveitámos então para seguir na visita guiada, gratuita, na companhia da personagem de Pedro Jacques de Magalhães, que nos contou a História de cada recanto desta aldeia que foi eleita como uma das 7 Maravilhas de Portugal, na categoria de Aldeias Autênticas.
Visitámos, entre muitos outros lugares, com a simpática companhia do Professor Henrique Silva, na figura de Pedro Jacques de Magalhães, a Igreja Matriz, dedicada à Nossa Senhora do Rocamador – onde vimos uma das mais curiosas representações da Última Ceia, em que Judas é o único sem auréola -, o curioso Portal com Inscrição Hebraica, que confirma a presença de uma comunidade de judeus e cristãos-novos em Castelo Rodrigo, a emblemática Torre do Relógio, e antes de chegar às ruínas do Palácio de Cristóvão de Moura, a paragem final da nossa visita, contemplámos a Serra da Marofa e conhecemos a lenda que lhe deu o nome, pela voz do nosso anfitrião. Conta-se que, em tempos que já lá vão, um cavaleiro cristão, Luís, ousou apaixonar-se por uma jovem judia, de seu nome Ofa, filha de Zacuto, um homem que ganhou uma vasta fortuna na região, e que se refugiou na serra. Segundo reza a lenda, o caso de amor entre as duas religiões não começou bem, já que ambas as famílias estavam contra. Mas o jovem, perdido de amores, não desistiu, até que, por meio de um ardiloso plano, conseguiu conquistar o pai da menina e ter permissão para cortejar a linda Ofa. Assim, o apaixonado Luís começou a cantar, enquanto subia a serra, de encontro à sua amada, que ia “amar… Ofa”, eternizando, assim, com o passar do tempo, a Serra da Marofa.
E foi com uma bela estória de amor que demos por terminado o nosso
périplo por estas três pérolas do interior da região Centro portuguesa, três
Aldeias Históricas únicas e peculiares, cada uma por seu motivo. Belmonte, com
o seu Castelo medieval e a mística de ser a terra-natural de Pedro Álvares
Cabral, evoca-nos a época dos Descobrimentos e tempos de glória para Portugal;
Almeida, com a sua inigualável praça-forte, lembra-nos a bravura dos
portugueses no tempo das Invasões Francesas; e Castelo Rodrigo, o romantismo de
uma Aldeia Autêntica plantada no alto da Serra da Marofa, cenário de um amor
proibido que conheceu um final feliz. Lugares inesquecíveis, aos quais
esperamos um dia poder voltar.
Fátima Gomes Casanova
6 comentários
Henrique Silva
Maio 25, 2019 @ 13:49
GRATO, pela referências às ALDEIA HISTÓRICAS, em particular a CASTELO RODRIGO. BEM HAJA!
aldeias_admin
Maio 27, 2019 @ 08:00
Bom dia, caro Henrique! Muito obrigado pelo seu comentário. Viajar pelas nossas Aldeias Históricas de Portugal é sempre inesquecível – vale a pena lembrá-lo, não é? 🙂
Ângelo Guerra Dias Cunha
Maio 26, 2019 @ 01:51
Bonita,rica,instrutiva,Mui Curiosa, viagem e narrativa histórica, por estas nossas Aldeias, Maravilhas de PORTUGAL ! PARABÉNS !
aldeias_admin
Maio 27, 2019 @ 08:01
Muito obrigado, caro Ângelo Cunha! Serve para lembrar que há muito a descobrir nas nossas Aldeias Históricas de Portugal! 🙂
António Almeida
Maio 27, 2019 @ 14:02
Que extraordinária viagem por entre Castelos, Fortalezas e Palácios de tempos imemoriais guiados pela prosa magistral de Fátima Casanova. Um enorme incentivo à descoberta das Aldeias Históricas de Portugal. Bem haja!
aldeias_admin
Maio 27, 2019 @ 14:14
Muitíssimo gratos ficamos nós pelo seu comentário, caro António Almeida! 🙂 Um grande bem haja!